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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Educação Sexual infantil - um Tabu!

O menino pergunta: – Pai, por que o seu pênis é maior que o meu? O pai responde: – Porque o papai é maior, assim como o braço é maior, o pênis é maior também.
Esse diálogo simples, aberto e natural sobre sexo com crianças ainda é um tabu a ser superado para o Brasil avançar na educação sexual. A constatação é do sexólogo Marcos Ribeiro, consultor do Ministério da Saúde e da Fundação Roberto Marinho. Autor de Sexo Não É Bicho-papão! (Editora Zit, R$ 34,90), livro interativo e didático sobre sexo, o especialista esteve em Curitiba para ministrar uma palestra no I Seminário Interdisciplinar de Pedagogia da Faculdade Bagozzi.
Em entrevista, Ribeiro falou sobre relações de gênero, defendeu a educação sexual de jovens e crianças e avaliou os avanços do homossexualismo no Brasil.

Comunicação - Você acha que atualmente as pessoas estão falando mais sobre sexo?
Marcos Ribeiro - As pessoas estão falando mais de sexo; por outro lado, o sexo ainda é falado com muito preconceito. A gente ainda tem um novo grupo, falando de forma mais presente, falando de sexo como algo feio, sujo, pecaminoso, do homem sempre à frente ou acima da mulher, com os homens ainda acreditando que são os responsáveis pelo projeto da família ou formas de acreditar que são donos de suas mulheres. É importante para a gente pensar nessa resposta não em grandes capitais, mas no Brasil como um todo. Ainda há algumas cidades brasileiras, principalmente no interior do país, em que os homens acreditam realmente que as mulheres são suas propriedades.

Comunicação – Sem falar da mulher que tem de se guardar para o casamento ou para o parceiro, e o homem que pode ter quantas parceiras quiser…
MR - Eu posso dar um exemplo muito atual. Há pouco tempo estive em Apiacás, no Mato Grosso. Uma assistente social, com nível escolar alto, estava com o rosto marcado, porque na lua-de-mel o marido marcou o rosto dela para que todos soubessem que, a partir daquela data, ela tinha dono. Esse absurdo aconteceu por esses dias, nesse ano, no país! Então a gente tem que pensar no Brasil como um todo. A gente ainda tem muito a caminhar.

Comunicação – Você acha que atualmente a cultura e a mídia têm ajudado a mulher a lidar com a própria sexualidade? Ou acredita que a mídia está só erotizando as relações e corroborando o machismo?
MR - A mídia e a cultura influenciam muito positivamente. É evidente que a gente ainda tem casos de programas e de novelas que colocam a mulher em uma situação subalterna, mas na realidade já avançamos muito, politicamente, inclusive. Os escândalos que acontecem no Brasil: a mídia tem contribuído muito para que venham à tona. Com o comportamento sexual não é diferente. O adolescente, por exemplo, tem a Capricho e, por maior que seja o preconceito em relação à revista, é uma revista de qualidade – estou dando esse exemplo entre outras revistas.

Comunicação - O que seria uma solução para diminuir essa diferença entre gêneros: menino e menina, homem e mulher?
MR - O primeiro passo, e um passo muito importante, é falar para estudantes de cursos de pedagogia ou pedagogos. São esses profissionais que vão estar na escola, seja dando aula, seja como orientadores, seja cuidando do projeto pedagógico da escola. Começa na formação da criança, começa com o trabalho com os pais – porque não adianta o professor na sala falar alguma coisa e os pais em casa falarem o contrário. Formação é fundamental. Em segundo lugar, a mídia tem um papel importante. Nós temos hoje novelas que colocam essa discussão de forma muito significativa. Quando se têm na mídia esses exemplos se estimula a pessoa a pensar um pouco. Acho que o trabalho da escola e o trabalho dos meios de comunicação são muito importantes para mudar isso.

Comunicação - Sabemos o quanto a novela pode influenciar nesse caso. Há cenas na novela das seis, por exemplo, inadequadas para uma criança. Como você acha que os pais podiam adequar esse acesso? Limitar o uso da TV pode ser uma solução?
MR - Primeiro, a gente tem que pensar o seguinte: a televisão não pode ser utilizada como babá eletrônica – muitos pais fazem isso. É importante para os pais entenderem que os filhos estão sob sua responsabilidade e, portanto, limites são importantes. Limite não significa autoritarismo, mas significa colocar o limite e explicar para o filho que ele não pode ver alguns programas em alguns horários. Segundo, se os pais colocam os filhos para ver algum programa, ou se os filhos estão vendo um programa e os pais estão trabalhando, converse com a criança: “o que você viu, meu filho?”, “o que você achou daquilo?”. Ou seja, puxar a conversa para saber o que ele viu e, a partir daí, explicar o que é certo e errado, de uma forma natural, e ouvir muito a criança.

Comunicação - Pela sua experiência, em quem você nota mais dificuldade para lidar com a sexualidade: o homem ou a mulher?
MR - O homem. A mulher tem uma dificuldade que passou pela formação. Mas o homem tem uma dificuldade de discutir algumas coisas. O jovem, por exemplo, o adolescente menino, tem vergonha de dizer que não sabe. As mulheres falam logo, os homens ficam naquela, têm muito mais dificuldade.

Comunicação – Entre os vários livros que você escreveu, “Mamãe como eu nasci”, por exemplo, foi para auxiliar os pais na educação sexual?
MR - Foi. Eu sempre acreditei que é de pequeno que se aprende. Então não adianta a gente ficar só no adolescente. É fundamental que nós tenhamos um trabalho com adolescente, mas se nós pudermos começar desde pequenos vai ser um passo muito importante. Até porque as meninas têm engravidado cedo, a média da iniciação sexual tem sido aos 12 anos. A educação começa pela cidadania, pelo respeito ao outro. Desde pequeno ele tem que aprender a ser gente, tem que aprender a ser cidadão.

Comunicação - Como os pais devem abordar o filho para falar sobre sexo?
MR - De forma muito natural, tranqüila, respondendo no momento em que a criança perguntou. Então, se o menino pergunta: “pai, por que o seu pênis é maior que o meu?”, o pai responde: “porque o papai é maior, assim como o braço é maior, o pênis é maior também”, só isso. Sabe por quê? Porque mais importante que a resposta, é os filhos perceberem que os pais são pessoas “perguntáveis”, que os filhos possam saber que, quando tiverem alguma dúvida, eles podem perguntar aos pais. Se os pais jogam a pergunta para baixo do tapete, tenha certeza que a criança não vai esquecer essa pergunta, ela vai buscar com outra pessoa – e, às vezes, infelizmente, essa pessoa vem com segundas intenções.

Comunicação - Você acha que os filhos devem ter alguma restrição quanto à intimidade dos pais?
MR - Os pais têm que ter cuidado sim. Quer dizer, é uma intimidade dos pais. Os pais têm que ter esse cuidado simples de fechar a porta: é muito fácil, é só fechar e passar a chave, e deixar para os filhos: “o papai e a mamãe estão namorando”, “papai e a mamãe estão em uma intimidade”, “o papai e a mamãe estão conversando e você não tem que estar junto”. Outra coisa, é ensinar os filhos a baterem na porta antes de entrar. Por outro lado, você tem que bater na porta do seu filho e esperar. Você pode ouvir um “não entre”, tem que praticar esse limite. Agora, se a criança viu, é legal que os pais, no dia seguinte, cheguem e falem: “eu acho que você viu o papai e a mamãe fazendo amor, fazendo sexo, você sabe o que é isso? Deixa eu explicar”, para a criança não fantasiar.

Comunicação – Há também o cuidado de variar a explicação sobre sexo de acordo com a idade, com o entendimento que a criança tem. Como o pai faz para saber até onde ele pode ir com a criança?
MR - É fácil. É só perguntar para a criança: “o que você sabe sobre esse assunto?”. Aí a criança pode falar um monte de coisa que não tem nada a ver, e os pais devem falar: “não, filho, não é assim não”. E aí explica o que a criança está em dúvida e diz que, se ela tiver alguma outra dúvida, é pra perguntar. Às vezes a criança responde exatamente o que ela quer saber. Eu devo jogar a bola para saber até onde a criança sabe.

Comunicação - E quanto à homossexualidade, você acha que a sociedade está mais tolerante, receptiva e aberta para essa questão da opção sexual?
MR - Não é opção, é orientação, porque ninguém escolhe a sua sexualidade. Então a homossexualidade é uma orientação sexual. Eu acho que nós avançamos muito, mas ainda precisamos caminhar muito mais. Você vê, por exemplo, que foi feita a parada gay em São Paulo, que reuniu mais de três milhões de pessoas. Nós ainda temos ações profundamente discriminatórias, mas no passado nós nem imaginávamos colocar três milhões de pessoas em uma rua, nós não íamos pensar que íamos colocar uma excursão no Congresso, não íamos pensar em um setor do Ministério da Educação, o Secad (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade), que tem um projeto para combater a homofobia. O fato de nós termos essa discussão em sala de aula é importante. Quer dizer: mudou pouco, mas o fato de a gente ter entrado nessa discussão da questão de homossexualidade, na questão da AIDS, o fato de ter aberto essa porta já é um grande passo. Para ter uma idéia, segundo uma pesquisa da Unesco feita com 16 mil adolescentes em 2004, se não me engano, 53% dos jovens disseram que não gostariam de ter um colega gay ao seu lado na sala de aula. Pode ser contraditório mostrar esse dado e dizer que houve avanços, mas antes esse assunto nem teria entrado na pesquisa.


Todos os créditos vão ao site: http://www.jornalcomunicacao.ufpr.br/

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